Primeiro segundo agora é o conto que é história se não for futurísmo que eu conto.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009



Havia um reino distante, muito distante daqui. Tão distante era, que nem parte deste planeta fazia. Para chegar a este reino longínquo, se fazia necessário pegar um trem até o aeroporto, um avião até a estação espacial, um ônibus espacial até a estação de transferência de galáxia, uma cápsula intra estelar até a Galáxia de Ciclope MO3 e lá poderia optar por navetáxi ou alugar uma nave por preços variados, só recomendado para quem conhecesse bem os caminhos e as translações espaciais. Acontecia muito de algumas naves mudarem alguns centímetros o prumo e irem parar em regiões inóspitas além dá área determinada pelo centro de controle espacial como seguras para a navegação. De nave, chegava-se ao planeta Tron e ao reino de Siox, que possuía a sua estação de pouso espacial.



=====================================================///SIOX\\==================================================



Siox era um reino um tanto quanto peculiar. Paixão dos aventureiros e das pessoas com gosto requintado. Uma terra de contrastes, isso sim resumiria este longínquo local. A paisagem mesclava prédios muito altos e modernos, passagens subterrâneas, castelos, tubos de acoplamento de múltiplas aeronaves, clubes que funcionavam todos os momentos do dia e transportavam para o exterior imagens holográficas, ricas e volumosas do que seria o seu interior. Em Siox as pessoas andavam, planavam, se teletransportavam, nadavam. Tudo ao mesmo tempo, todos no mesmo local. Para sorte de seus habitantes, tudo permanecia ao se modificar e a natureza se espalhava por cada canto, cada fresta. Cada espaço que sobrava brotava uma planta, uma flor. Edifícios gigantescos, feitos de materiais resplandescentes, luminosos e holográficos possuíam o charme que tornava Siox este reino peculiar, eram envoltos em hera, daquela que não se permite mais, daquela com odor outonal, daquela que traria humidade demais e que em Siox era dona e rainha.
Dizia-se em todas as Galáxias que uma pessoa não teria a menor noção do que seria estar vivo sem um dia ter ido a Siox.

------------------------------------------Betzyx------------------------------------------
Betzyx compartilhava desse sentimento. Já havia feito inúmeras viagens virtuais, mas nunca teve tempo ou dinheiro para ver com seus próprios olhos e flutuar entre os prédios sentindo o ar de Siox. E agora, as coisas pareciam conspirar para que seu sonho se realizasse.
O ar era o que mais lhe interessava. Em seu planeta natal havia uma fragrância muito popular chamada SioxAir, todos usavam, tanto em si próprio como nos ambientes. Era um odor sintético, um odor que simulava, assim como as viagens virtuais, o que seria respirar em Siox. Mas não reproduzia a real sensação, a brisa perfumada batendo em seu rosto.
Gostava de sonhar com o dia em que colocaria os seus pés na cidade que sempre desejou. Tocar nas paredes e sentir o toque aveludado das tais plantas, das flores.
Mas enquanto isso ela tinha a sua vida para levar. Trabalho, cápsula habitacional, trabalho, club, ressaca, pílula hidrotônica, trabalho, casa das amigas.
Por falar em amigas, algumas já tinham feito a viagem de seus sonhos. Jianyon mesmo, já tinha morado lá por uns 3 anos e na verdade tinha até enjoado um pouco. Não era raro Betzyx pedir às amigas que contassem, com todos os detalhes possíveis, sobre como tinha sido a viagem.
-Aquele ar cansa, chega um hora que tudo o que você quer é o aroma sintético do poliuretano. No final eu até comprei uma fragrância daqui.
Desdenhava Jianyon.
-Sem contar que essa história de viver se aventurando, ui, muita informação, aventura demais.
Clanioniz completava
.
-Parem vocês duas, eu sei muito bem que vocês aproveitaram cada segundo que passaram lá. Eu vejo o brilho nos olhos de vocês.
-Ai amiga, eu não me arrependo nem um segundo de ter ido, mas ai, é tão bom estar em casa.
-E eu que tenho quase todos os créditos pra ir pra lá, só faltava uma parceira - choramingou Betzyx com um biquinho. As amigas se olharam com ar de não me coloca nessa, não olha pra mim. Para quebrar o gelo Clanioniz lembrou:
-Nem te contei! Eu sei quem pretende ir também!
-Quem?
-Ai amiga, não é tão legal, mas pelo menos você não iria sozinha.
-Claro!
-A Maleica.
-Ui, prefiro ir sozinha.

********************************************************Maleica*************************************

Maleica sentia um frio no estômago ao pensar na possibilidade de que as coisas dessem errado. Planejava tudo nos mínimos detalhes. Calculava as chances de erro e sempre tentava chegar a zero. Digamos que uns 5% eram o que seus cálculos permitiam. O despertar, com três despertadores, o dia, minuciosamente definido, com programação para todas as horas.
E agora a Viagem, planejada e revista e replanejada centenas de vezes há mais de um ano. Agora estava tudo certo: a rota, o destino, a estadia, o tempo de duração, a programação diária, a alimentação etc. Todos os pingos nos is. Frio no estômago controlado.
E para a Viagem seu corpo deveria estar em condições apropriadas para minimizar o desconforto de um trajeto tão longo. Dobrou o tempo dedicado aos exercícios e modificou a alimentação. Simulou diariamente as diferenças de movimentação e locomoção. Para a adaptação social, estudou toda a cultura de Siox, o reinado e as vontades da proprietária para definição de uma existência construtiva. Sobre os condições do planeta Tron e todas as características do reino mais peculiar do espaço. Uma vez por dia, ia virtualmente a Siox e durante um hora explorava todos os cantos e marcava os pontos principais.
Um dia, sem planejamento nenhum, recebeu uma busca. Contatos de uma conhecida que também pretendia ir a Siox.


Pena que a grande criadora deste reino seja tão preguiçosa. Portanto,
continua....

-Jyn, tá aí?
-Oi to, pera um pouquinho que eu to no externo.
-Hm.
-Tá, fala.
-Então, ela respondeu.
-E aí, vão?
-Não abri ainda, a chata mandou um email que você tem que autorizar que ela saiba que eu li antes de ler. Entendeu?
-Sei. Abre então, qual é o problema de ela saber que você leu? Ela iria saber quando você respondesse.
-Mas tem como ser mais chata?
-Heh, não.
-Então, não quero ir com ela.
Jyn aproximou o rosto do visor:
-Lê pra ver que que ela fala, cê sabe muito bem que vai ser bem mais fácil e barato e é só ir com ela depois separa..
-Tá, tá, já volto.
Jianyon deu uma piscadinha e Betzyx colocou a janela da conversa de lado, puxou a do e-mail. Colocou sua digital sobre a autorização e o email abriu. Algumas janela com planilhas e gráficos holográficos, alguns passeios virtuais pré-definidos esperando mais uma autorização (que acusaria o passeio à Maleica é claro) e uma breve nota:

Oi, Betzyx
Eu já tinha planos de ir sozinha, mas ser flexível faz parte da ação para se alcançar o objetivo. Refiz os cálculos contando com a divisão de despesas em alguns pontos e resolvi aceitar a sua proposta. Estou enviando o cronograma do trajeto e três opções de ...

Betzyx pegou todas as janelas do email e jogou para o lado. Puxou a janela da conversa com Jianyon, que havia deixado o visor ligado e nesse instante estava cantarolando alguma música batucando no painel da sua nave. Betzyx sorriu e decidiu não importunar a amiga.
Tirou a conversa da frente e puxou um ícone escríto Siox, plugou o virtualizador e chegou no centro da cidade. Optou por sem visitantes e ativou todos os sentidos realtime, era fim de tarde e uma luz polarizada batia em seu rosto, sentiu o calor produzido pelo virtualizador e fechou os olhos, tentou esquecer que aquilo tudo era virtual e depois abriu. Saltou e seu corpo flutuou entre as ruas até um bosque escondido atrás de um portão de madeira, de MADEIRA, de uma época em que Betzyx tinha ouvido falar. Passou o portão e parou por um instante para establilizar o movimento e pousou no chão. Continuou o trajeto a pé, o odor de SioxAir estave forte e quase enjoativo, o sintético impregnava as narinas de tal forma que até irritavam, Betzyx duvidava que o aroma natural de Siox fosse assim também. Ao longe se ouvia um som contínuo de água corrente, caminhou entre as árvores até chegar há uma pequena queda d'água. Se aproximou do pequeno lago que se formava em frente ao véu, colocou a mão dentro da água, o virtualizador produzia uma sensação interessante de frio e cócegas. Betzyx se perguntou se não valia a pena fazer o trajeto com a Chata para economizar os créditos e assim poder aproveitar o máximo de tudo, sem se preocupar com o dinheiro. Colocou a mão no ouvido esquerdo e retirou o virtualizador. Puxou o email da Maleica e leu até o final dando algumas risadas durante a leitura e balançado a cabeça. Gravou um mensagem de vídeo dizendo que gostaria de se encontrar com ela em realtime ou ao vivo para combinarem melhor.



continua....




E Siox continuava o mesmo lugar. Pronto para receber suas visitantes, não as decepcionaria de maneira alguma, surpreenderia ainda mais. Tudo o que o virtualizador simulava era melhor na vida real. Flutuar, por exemplo, provocava uma sensação de conforto em toda a pele, de um leve formigamento na língua e um vibrar suave e prazeroso em todo corpo. Toda pessoa que flutuava pela primeira vez, passava alguns instantes sem se dirigir a destino algum, em um êxtase quase que incontrolável e difícil de sair. Nem mesmo os mais complexos e caros estimuladores neurais possuíam a capacidade de reproduzir com perfeição a maioria dos sentidos reais. E não que não fosse possível, mas era extremamente perigoso que um virtualizador estimulasse os sentidos o suficiente ao ponto de confundir o seu usuário com a realidade. O risco de que tal estímulo provocasse uma confusão organizacional no funcionamento do sistema neural era quase que absoluto. O cérebro deixaria de se comunicar com os seus receptores nativos a partir do momento em que recebesse plenamente os impulsos vindos de outra fonte. O organismo se tornaria dependente dessa fonte e o indivíduo entraria em um estado de coma irreversível. Se este virtualizador ideal fosse desligado, o corpo também pararia, iniciando pela morte cerebral e posterior paralisação do organismo. Cientecnologístas simplesmente recuaram após o primeiro teste com um virtualizador ideal e definiram um limite muito baixo para simulação de estímulos.
O único ser que havia experimentado o virtualizador ideal havia falecido logo após os cientecnologístas, que assustados com o resultado da experiência, desligarem o aparelho rapidamente para presenciarem uma morte instantânea e silenciosa. A este ser, o centro de cientécnologia presta a sua devida homenagem com um holograma gigantesco reproduzindo as cenas de sua heróica morte exemplar em frente ao edifício principal de estudos virtuais. Este ser não tem nome, era apenas um vagabundo que vagava desde o nascimento pelo espaço sideral e aceitou fazer parte do experimento por não ter nada a perder mesmo. Muitos o chamavam de Ele. "Ele veio ao mundo para nos ensinar uma lição" e frases do gênero. Também era tema de poesias e contos que tentavam simular o que teriam sido os momentos de estímulo pleno em que Ele viveu. O cenário, segundo os cientecnologítas, era simples: um quarto com uma cadeira, uma mesa com alguns alimentos e um quadro estático na parede com uma foto antiga de uma paisagem da Terra do Sistema Solar (em homenagem a criadora do primeiro virtualizador que inclusive havia batido aquela fotografia e era terrena).
Os cientécnologístas responsáveis pela experiência não perderam o emprego mas sim ganharam um aumento de salário e participação em diversos shows em toda galáxia.

continua...

Maleica esperou cinco segundos em frente a porta antes de sair. Chegou à plataforma no instante exato em que o trem parou e abriu a passagem. Passou a mão pelo identificador e entrou.
Betzyx saiu de casa, mas lembrou que esqueceu a mala e voltou. Saiu toda esbaforada com a mala, o TD e uma bolsa de mão. Posicionou a mala corretamente com as rodas para baixo e ativou o sensor. Se dirigiu à plataforma, a mala a seguiu logo atrás. Viu no TD que seu trem só passaria em três minutos e acalmou o passo. Chegou na plataforma em dois. Passaram quatro trens e depois o seu. Entrou e seu TD apitou avisando que chegaria ao destino antes da hora. O vagão era pequeno, normalmente estaria vazio, mas desta vez não. Havia espaço para seis pessoas e desta vez haviam duas. Uma senhora que nem levantou os olhos de seu TD quando Betzyx entrou e um cara. Ambos provavelmente viajariam pois também estavam acompanhados de suas bagagens. O vagão possuia dois bancos com três lugares cada, em um estava o rapaz e em outro a senhora. Preferiu o banco do rapaz. Ao se sentar ele olhou para ela e esboçou um sorriso, mas seu rosto enrubesceu e ele voltou os olhos para o seu TD. Betzyx adorava rapazes tímidos, adorava rubor na face. Era tão difícil ver as pessoas como elas eram, era tão difícil conhecer desconhecidos e essas reações involuntárias eram o mais próximo que se poderia chegar de enxergar o intranspassável. Moveu os olhos discretamente para o lado e tentou ver o que ele estava fazendo em seu TD, mas ele usava proteção lateral. Reparou em sua roupa, seu TD, seus cabelos e no sapato, desgastado nas pontas. Gostou, ele era de andar pelos lugares. Será que andava no externo? Algumas pessoas gostavam de andar pelos espaços abertos. Era um risco, um fetiche estranho que consideravam aventuras, era pernitido mas não recomendável.
Maleica chegou uma hora antes do combinado que era trinta minutos antes do avião sair. Tudo estava indo bem. Teria tempo para organizar as coisas antes de Betzyx chegar. Observaria todas as pessoas que pegariam seu vôo e a tripulação se preparando para viagem. Teria tempo para rever as diretrizes e ainda sobraria para um lanche.
Sentou em frente ao portão de embarque e observou a movimentação. Era domingo e o movimento ainda estava tranquilo, pessoas passavam para todas as direções, entravam nos portões, sentavam, levantavam, checavam as bagagens. Maleica não gostava de lugares públicos, odiava a imprevisibilidade das pessoas e ao mesmo tempo sentia prazer ao ver o quão superior era o seu método de organização. Olhou em todas as direções e parecia que todos estavam ansiosos, todos tentavam se preparar na última hora, menos ela.
E dentre todas as pessoas, entre todo esta movimentação reconheceu o rosto de Betzyx, que chegava 50 minutos antes do planejado. Odiou a sua imprevisibilidade e detestou perceber que ela não estava sozinha, vinha acompanhada de um rapaz que (por incrível que pareça) trazia sua bagagem na mão.

*******************************************André*******************************************



-Oi, chegou cedo também?
-Pois é, tinha umas coisinhas pra fazer antes por aqui. Oi.
-Esse é o Andre, a gente se conheceu no vagão e ele vai pra Ciclope MO3 também, legal , no caminho eu convenci ele a mudar o horário das passagens e ele vai junto com a gente.
André esboçou novamente o mesmo sorriso no rosto em chamas, Maleica um sorriso amarelo e Betzyx olhou para os lados.

-Já comeu Maleica?
-Pretendia em vinte minutos.
-Então vamos sentar alí e você espera os seus vinte minutos com a gente enquanto a gente come, que que você acha?
Maleica sentiu uma fisgada no estomago, todo seu apetite já não existia mais e havia sido substituído por um sentimento de arrependimento e de angústia. Isso que dava mudar de estratágia tão em cima da hora.
-Eu planejava comer naquele lugar alí. A comida é completa e especial para o período de ibernação.
-Jura? Ui, odeio. Tá, mas vamos lá, a não ser que o André não queira.
Andre balançou a cabeça. Comia qualquer coisa e até achou sensata a opção e mesmo que não achasse não diria.
-Você não quer ir?
-Não Maleica, ele não quer não ir. Tá irritadinha tá?
-Eu não, você tá?
-Vamos lá então - André falou pela primeira vez em muito tempo, cinco minutos ao lado dessas duas e já queria fugir correndo. Bem, em breve chegaria à Galáxia de uma vez e se livraria delas. Afinal, se perguntou, porque raios estavam viajando juntas?


continua...